A CORRUPÇÃO ENQUANTO ASPECTO CULTURAL
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1 Graduação FILOSOFIA - UNOCHAPECÓ SC
2 Graduação TEOLOGIA - FAETEL SP
Pós ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS - UNIASSELVI SC
ENGENHARIA DE MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO - UNIASSELVI SC
GESTÃO ESCOLAR - FAPI FACULDADE DE PINHAIS PR
Natanael de Souza2
Resumo
Este artigo abarca o tema da corrupção no Brasil acerca do seu
aspecto histórico-cultural, considerando o ser social de forma
ontológica, os reflexos dessa cultura no comportamento do cidadão, suas
opiniões políticas pautadas em normas éticas e morais ausentes em si
próprios. Em função disso, constrói-se no imaginário coletivo a ideia de
que todos os políticos no Brasil são corruptos, os únicos responsáveis
pelas desigualdades sociais e pela prática de crimes contra o patrimônio
público. O artigo contempla a elaboração do conceito de corrupção dos
brasileiros a partir de situações cotidianas, elucida como essa prática
reflete nas diversas camadas sociais, sendo ele também um agente
importante na origem do político desonesto.
Palavras-chave:
Corrupção. Incentivo. Cultura. Comportamento. Capitalismo. Sociedade.
1 INTRODUÇÃO
Quando caminhamos pela rua ou andamos de carro, geralmente criticamos
ou falamos mal da prefeitura para nós mesmos ou para quem está conosco
de algum buraco que encontramos no meio do caminho, entretanto, ao
regressar podemos nos defrontar com o mesmo buraco, repetindo as mesmas
reclamações. Porém essas reclamações não seguem adiante, nem nos
esforçamos para fazer isso, nem sequer nos mobilizamos para tapar o
buraco mesmo sendo perto da nossa casa. Não sentimos essa
responsabilidade como sendo nossa, não obstante, ainda multiplicamos a
insatisfação para os colegas, amigos, vizinhos e familiares. Em nenhum
momento observamos as inúmeras sinalizações dessa rua ou todo o trabalho
que já foi feito para construí-la.
Essa realidade também ocorre no panorama político, o cidadão liga a
televisão ou abre o jornal, depara-se com escândalos políticos
milionários, mau uso do dinheiro público, redes de clientelas,
impunidade dos corruptos, ficamos com a sensação de um mal-estar
coletivo, destruindo toda e qualquer confiança na política. Lembra-se da
história do buraco? Então, a primeira atitude é desligar a televisão,
amassar o jornal, reclamar, falar mal, esbravejar devido ao sentimento
de impotência em não poder fazer nada.
Se olharmos com mais atenção a nossa história, nossa cultura as
coisas começam a mudar de rumo, se cruzássemos com o filósofo Diógenes
de Sínope (413- 323 a. C) será que ele pararia em nossa frente feliz da
vida anunciando finalmente ter encontrado a pessoa tão
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honesta que tanto procurara? Ao iniciarmos uma reflexão nesse sentido
percebemos a força de mudança existente em nós, podemos sim fazer muito
para mudar o rumo da história, começando a partir de nós mesmos, no
nosso dia a dia, dentro de nossa casa, ao educar nosso filho, em nosso
local de trabalho, no jogo de futebol com os amigos, no trânsito, no
bairro onde moramos em nosso núcleo familiar.
Este artigo desafia o leitor a se identificar ao decorrer de suas
etapas com situações que provoquem a reflexão, seja pela aceitação ou
negação, acerca de suas responsabilidades enquanto ser social em seu
sentido ontológico na construção de um Brasil com mais cidadania e
consciência coletiva.
2 RAÍZES DA CORRUPÇÃO NO BRASIL
A etimologia da palavra corrupção vem do latim com o sentido de
deterioração, decomposição física e orgânica de algo em putrefação, pode
significar também modificação, adulteração das características
originais de algo ou no sentido figurado significa degradação dos
valores morais, hábitos ou costumes. Nesse aspecto, apesar da corrupção
não ser um problema único, exclusivo do Brasil, chegamos a um patamar
onde a comunidade brasileira aparenta estar composta por cidades como
Gotham City. Já não sabemos mais se podemos confiar nas autoridades, nas
instituições, na soberania do Estado democrático de direito.
A corrupção ao longo do processo de formação do ethos brasileiro,
sempre esteve presente desde a época da ocupação pelos portugueses,
nessa construção de valores morais, quase todas anônimas, podemos
identificar situações com maior influência a partir do século XVI onde
funcionários públicos ao invés de fiscalizar o contrabando de produtos
brasileiros como ouro, diamante, pau-brasil, tabaco e especiarias, as
quais poderiam ser comercializadas somente com a autorização do rei,
passavam a negociar com piratas e contrabandistas. Há quem possa
manifestar a opinião que essa negociação seria apenas uma forma de
defesa, pois longe e totalmente desprotegido da coroa não teria outra
forma de sobreviver se não entregar as riquezas, nesse caso por que não
negociá-las? Afinal, Portugal não tinha um controle efetivo sobre
práticas de contrabando e propinas, estava mais preocupado em manter os
altos rendimentos da classe aristocrática, não queria abrir mão do
Brasil, também não tinha a mínima pretensão de viver aqui.
Entre o contexto de posicionamento geográfico, relações econômicas e
políticas com a Inglaterra, Espanha e França, o jeito era garantir o
domínio da galinha dos ovos de ouro, oferecendo vantagens para nobres
portugueses a se instalarem cobrando apenas um quinto de impostos,
permitia que trabalhassem sem vigilância, tudo isso caracterizou uma
espécie de incentivo, conforme definido por Heath (2009, p.47 e 48):
A outra maneira de evitar o problema é definir incentivos de forma
tão ampla que qualquer coisa com que alguém pudesse se preocupar,
inclusive princípios morais, contaria como um incentivo. Steven Levitt e
Stephen Dubner, por exemplo, no livro
Freakonomics – o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, consideram que os incentivos incluem não apenas incentivos "econômicos" e "sociais", mas também "morais" [...] Todos esses rodeios significam que, se você realmente quiser 3
compreender o que os economistas estão pensando quando falam em
incentivos, não deve considerar as definições que eles apresentam. Você
deve examinar os exemplos concretos que eles escolhem e os tipos de
comportamento-alvo de seu interesse. Levitt, por exemplo, está
interessado no comportamento fraudulento [...] Em cada caso, as pessoas
que Levitt estuda estão se aproveitando de oportunidades que surgem
dentro do sistema de incentivos externos. Elas são guiadas por aquilo
que os psicólogos chamam de motivações acessórias: dinheiro, status,
poder.
Outro ponto de vista a ser considerado é o fato de Portugal enviar
para o Brasil pessoas tidas como indesejáveis, os primeiros colonos
foram abandonados à própria sorte, acolhidos pelos grupos indígenas
nativos desta terra. Certamente não só essa camada social viria a
influenciar na construção das raízes éticas do povo brasileiro, pois
nessas migrações vieram também muitos padres, fidalgos, por fim até a
corte. O que devemos considerar nesse conjunto de fatores em um primeiro
momento histórico, são aqueles colonos aqui deixados por Portugal, já
os foram movidos pela ideia de punição, exílio, em um segundo momento da
nossa história os escravos também vieram contra sua vontade, foram
caçados em suas terras e trazidos à força.
Assim o Brasil colônia agregou todos os ingredientes para ser um solo
fértil e germinar a corrupção nas entranhas da formação ética-cultural,
de uma nação que se acostumou explorar a terra sem dar nada em troca,
ter acesso fácil às riquezas do novo mundo sem nenhum controle, sem a
necessidade de responder por quaisquer agressões contra os nativos,
contra o meio ambiente ou contra o poder instituído sendo ele provindo
de Portugal, do Brasil como província no século 16, do Brasil como
Estado da coroa no século 17 ou do Brasil como reino de Portugal a
partir de 1815. Nesse período os brasileiros também eram súditos do rei,
como os portugueses nascidos naquele país, a história relata a
preferência dada aos nascidos em Portugal tanto no comércio, como em
cargos públicos, isenções tributárias, práticas que fatalmente
instauraram de vez o embrião da corrupção na psique da composição de uma
das partes da nascente identidade e características do povo brasileiro
em pleno berço de sua formação.
Não podemos ignorar a importância em destacar nesse processo
histórico o amor à terra-mãe demonstrado pelos índios através da
resistência até metade do século
XVI, todos os povoados que se instalaram no Brasil nesse período sem a anuência desses nativos, foram massacrados.
Nessa perspectiva continuou surgindo verdadeiros heróis entre os
indígenas, entre os negros, até entre os portugueses. Tiradentes,
Antônio Vieira, Castro Alves, Mario Quintana, Padre Cicero, Zumbi dos
Palmares, princesa Anastácia, foram e são heróis, na fase atual da nossa
história podemos citar o seringueiro Chico Mendes, Dorothy Stang, o
casal de ambientalista Maria do Espírito Santo e Jose Claudio Ribeiro, o
polêmico "suicídio" do ex-vereador Marcelino Chiarello entre tantos
outros que lutaram pela democracia, pela liberdade, pela justiça social,
pela ética na política e na administração pública.
Infelizmente esses exemplos não são o suficiente para combater o mal
crônico da corrupção, hospedados há séculos, criaram raízes tão
profundas que até nos dias atuais
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ouvimos ditos populares do tipo "ah meu Deus, porque não acho um pote de ouro" ou "jeitinho brasileiro".
No primeiro provérbio, podemos analisar sua natureza originária do
inconsciente social, reflexo do desejo de resolver os problemas de
maneira fácil, rápida sem esforço nenhum, sem precisar dar nada em troca
ou cumprir normas e procedimentos para obter algo almejado.
No segundo provérbio, por mais argumentos bem intencionados em defesa
dessa frase no sentido de isentar o ato corrupto ou má fé para
prejudicar alguém, não há como negar a corrupção nela implícita para os
dias de hoje. Revela uma tendência de sempre se dar bem, a priori
aparenta uma forma inofensiva, até engraçada, afirmando uma premissa
justificável para si próprio e para a sociedade de ser vítima das
injustiças sociais, da falta de oportunidades. A sociedade ao acolher
tal premissa entra em um circulo vicioso tolerando o desenvolvimento do
embrião da corrupção, é como se adotasse uma autoproteção, pois essa
postura do corpo social concebe o ato corrupto uma possibilidade de ser
reproduzido por qualquer um dos seus integrantes sem que haja punição
alguma.
A consequência desse comportamento é catastrófica se tratando da
administração pública, em maior ou menor grau, nas obras sociais como
saneamento básico, degradação sem limites do meio ambiente, segurança,
economia, educação, influenciando diretamente na evolução do nosso país.
Esse processo histórico possibilitou uma estruturação no Brasil de um
sistema-norma capaz de abrandar os desvios de conduta administrativa,
os crimes de colarinho branco, os desvios de verbas e a corrupção de
modo geral. As instituições brasileiras nasceram muito fracas, gerando
um paradoxo entre o que prega a norma/regra e o que realmente é
praticado, a dificuldade em executá-las efetivamente enfrenta forças
profundas arraigadas com uma dose de consentimento da opinião pública,
mesmo com a sensação de impunidade dos infringentes da lei, tudo fica
amortizado por se acreditar que o corrupto seja fruto de uma sociedade
desigual, reforçado pelos órgãos humanitários sobre a possibilidade de
condenar um inocente com base na incompetência do sistema judiciário,
depreciado por vender sentenças a grupos políticos.
3 FORMAS DE CORRUPÇÃO
3.1 A CORRUPÇÃO CULTURAL
Trata-se da mais, profunda e imperceptível configuração de corrupção,
ela chega bem cedo, já na nossa infância, começa a despertar em nós os
instintos primitivos, seria a corrupção mãe de todas as outras formas de
corromper, é a mais difícil de coibir, além de ter todo um cenário
montado em nossa volta (comportamento dos pais em casa ou no trânsito,
dos colegas dentro e fora da sala de aula, dos programas de rádio,
televisão, principalmente os de humor, do conteúdo de certas músicas,
jogos de videogames, descumprimento dos compromissos em relacionamentos
pessoais, sociais, profissionais entre os adultos, o tipo de
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vocabulário que vamos adquirindo na rua, nos estádios de futebol, nas festas, baladas e assim por diante).
Esse mundo externo ocupa todo o nosso tempo, é a própria caverna de
Platão, fica difícil de o indivíduo tomar posse de sua própria
consciência, abrir a mente para assim enxergar os estragos provocados
por atos considerados inofensivos, acabam replicando condutas básicas
para construir uma sociedade corrupta. Agora, a iniciativa dessa atitude
depende exclusivamente do sujeito e ninguém mais?
O desafio é gigantesco, exigem mudanças de hábitos rotineiros,
monitoramentos constantes em nosso próprio comportamento, com o intuito
de vencer a tentação em violar regras para tirar vantagem pessoal.
Dentro daquilo que já citamos como um cenário montado imagine você
com todos os seus conhecidos, crescendo dentro desse mundo, instigando
forças naturais da nossa humanidade, conforme apontadas pelo teólogo são
Tomás de Aquino, a luxúria, gula, avareza, ira, soberba, vaidade e
preguiça, muito provável que o vírus da corrupção irá se desenvolver e
acompanhá-lo até seus últimos dias. Talvez tenha nascido com ele ou pode
ter adquirido em alguma fase da vida, aceite a ideia desse vírus da
corrupção ser algo predisposto no seu organismo em estado petrificado,
as forças naturais humanas existentes dentro de você, uma vez
alimentadas tornam-se implacáveis capazes de destruir todo o invólucro
para libertar tal vírus, somente o acompanhamento contínuo, uma vistoria
cuidadosa possibilitará minimizar essa probabilidade ou anular por um
longo período seu desenvolvimento podendo até garantir o controle para
manter o vírus da corrupção cristalizado.
3.2 A CORRUPÇÃO CRIMINOSA
O sistema em que vivemos acoberta muitos crimes extremamente nocivos a
nossa sociedade brasileira, como lavagem de dinheiro, tráfico de
drogas, de pessoas, de armas, a extorsão, o terrorismo, tudo converge na
corrupção. Contudo, é necessário estar sempre desconfiado, porque nasce
nas propostas de ganhar dinheiro de forma rápida, simples, sem muito
esforço físico ou intelectual, geralmente não exige grandes
responsabilidades, cobranças,
stress etc...
A corrupção em seu sentido convencional nos mostra o caminho mais
fácil, imagine entrar em uma casa totalmente desprotegida, apoderar-se
da televisão de última geração para vendê-la no comércio ilegal ou então
usá-la em benefício próprio, suprindo assim o desejo de ter uma
televisão de último lançamento. Bom, mas isso é roubo! Eu estaria sendo
um ladrão. Exatamente. Para a justiça, ao apropriar-se da televisão,
você é classificado como um ladrão, sujeitando-se a punição do código
penal brasileiro, este considera algumas situações de menor ou maior
gravidade.
Se ao entrar na casa o dono estivesse ausente seria um furto, no
entanto se ao entrar na casa encontrasse o dono, o ameaçasse para levar a
televisão, seria um roubo, a pena é maior neste último caso,
fundamentado na existência de violência física ou verbal contra alguém,
no
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entanto, as coisas tendem a piorar, incrementamos neste cenário uma
arma, usada para ferir o dono da casa. Qual motivo o levaria a chegar
nesse ponto? Qual o incentivo? No tocante a ausência do dono, seria a
grande ocasião por não haver ninguém fiscalizando a casa? Ou é pura
ambição de aumentar a renda com facilidade, mesmo que isso custasse
tirar uma vida? Se a polícia chegasse nesse momento, como você agiria? E
a polícia, como reagiria? Não seria uma oportunidade propícia para a
polícia executá-lo em nome da lei, da ordem, da justiça com o objetivo
de resgatar ou aumentar o prestigio com a sociedade? Essa sociedade como
iria julgá-lo? Seria abastecida com informações de quem? Seus amigos?
Das autoridades? Da mídia?
Nesse momento cabe uma leitura da conjuntura da policia, esses
defensores da lei, na hora de agir poderiam se encontrar com dilemas
pessoais, estressados, pressionados, corrompidos, poderiam estar sendo
usados de forma conscientes ou não por forças maiores na promoção de
alguma liderança política, sutilmente articulada com a mídia, só
esperando um fato antissocial acontecer para então encaixar a peça
faltante e divulgar o teatro com sensacionalismo, neste contexto ecoa a
pergunta do capitão Nascimento do filme Tropa de Elite 2, onde afirma
com segurança, "o policial não puxa esse gatilho sozinho".
A corrupção tem esse poder, não é apenas um desvio de comportamento
individual, ela confunde, isola, envolve, influência, agride a estrutura
ética das pessoas, se mistura entre os cidadãos de todas as camadas
sociais. O desejo de posse de algo que lhe faça feliz, realizado,
satisfeito sobrepõe às necessidades das outras pessoas em condições bem
mais precárias, esses indivíduos incorrem em uma terceira forma ilegal: a
apropriação indébita é como você emprestar suas chuteiras a alguém e
essa pessoa não lhe devolver mais, ou seja, tomou posse do que não lhe
pertence.
Essa espécie de corrupção criminosa, além de ser o pronunciamento
mais destapado, superficial, é também o mais evidente, aquele que salta
aos olhos, por ser mais palpável afeta a cada um de forma muito direta,
poderíamos até classificar essa forma corruptível no sentido de roubar o
seu carro, assaltar a sua casa, obriga-lo a entregar sua carteira com
documentos pessoais, dinheiro e cartões de crédito sob a mira de um
revólver, a manifestação mais fácil de coibir pelo seu caráter
explícito.
Logicamente quem já passou por experiências assim tende as mais
diversas reações, como ficar revoltado, deprimido, em estado de choque,
até desiludido. Se o Estado se envolve, quando se envolve, deixando o
caso sem um desfecho, agrava ainda mais a situação, inicia um processo
de indignação generalizada na população. O cidadão vítima do roubo da
televisão, adquirida de forma honesta, fruto de muito trabalho, esforço,
parcelada em várias vezes, isso ainda quando não fica pagando, sente-se
totalmente desprotegido por um Estado intransigente, não para
solucionar o problema do cidadão, mas para lhe cobrar os impostos.
Surge um incentivo poderoso para esse cidadão se corromper, o Estado
não terá mais um aliado, passa a ter mais um rebelde no sistema, um
potencial corruptor, podendo se apresentar nessa forma convencional ou
então na forma de corrupção que veremos a seguir.
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3.3 A CORRUPÇÃO POLITICA
Entende-se por política a ciência da organização do Estado, sobre a
corrupção já sabemos que significa "quebrado em pedaços" ou "tornar
podre", metaforicamente poderíamos substituir o titulo desse assunto
para "A organização do Estado quebrado em pedaços" ou "A organização do
Estado apodrecida". Talvez nesses termos, seja forte demais rotular
nossa nação de maneira tão vulgar, apesar de tudo temos em nosso país o
carnaval, o melhor futebol do mundo. Não esqueçamos quer queira ou não
fazemos parte disso.
É fato, não podemos ignorar a beleza cultural do carnaval, das
fantásticas histórias de oportunidades oferecidas às crianças carentes
através do futebol por esse Brasil afora. Agora não podemos tapar os
olhos deixando de questionar quem se aproveita disso para benefício
próprio em detrimento dos direitos básicos da população.
O Estado legitimado por normas impessoais e racionais tem um papel
determinante no equilíbrio dessas relações por meio dos políticos,
representantes dos cidadãos, os quais devem estar imbuídos de um
espírito público, comprometidos em criar normas justas, por em prática,
julgar, denunciar os crimes impunes pela magia do poder, como homens
comunitários, a missão é sempre estarem cientes que a falta dessa
postura, implica em fomentar volumosos prejuízos contra a vida e a saúde
da coletividade.
Nesse momento grita dentro do político aquilo que ecoa dentro dos
brasileiros, uma cordialidade intrínseca provinda de seu amago
deixando-o incapaz de incorporar a imparcialidade racional exigida pelo
Estado. Sentimento derivado dos traços culturais refletidos do passado
ibérico onde não existiam regras impessoais para a coroa entregar
incentivos, essas marcas de morosidade, irresponsabilidade por não
termos atravessado o processo de modernidade como aconteceu na Europa
com a Revolução Francesa, um acontecimento intenso na compreensão da
distinção fundamental entre o publico e privado.
No entanto estamos nos referindo à cordialidade ou a corrupção? Nesse
caso estamos tratando de comportamento como um todo, aquele inculturado
em nós, com reflexos no comportamento político fraudulento. A crítica
feita aos políticos cabe uma reflexão mais apurada por nós. Não haveria
probabilidades, caso esse cargo lhe pertencesse, em executar as mesmas
negociatas? Seria possível apontar onde começa esse tipo de corrupção?
Não há dúvidas que a corrupção política no Brasil esta diretamente
ligada ao clientelismo, à prática de favorecimento exercida por
políticos em troca de apoio para suas campanhas, onde o empresário
oferece apoio nas mais diversas formas (dinheiro, influência sobre
forças políticas, grupo de empresários, associações etc.), em contra
partida o prejuízo para a população é incomensurável, pois exigem do
político após ter sido eleito a reserva de cargos para familiares,
amigos sem conhecimento técnico, sem competências para exercer essas
funções, mesmo que tivessem, derruba por terra a essência da república.
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O nepotismo legitimado e o oligarquismo são as principais marcas do
clientelismo, nessa condição aqueles que foram eleitos entregam o poder
para grupos econômicos visando aumentar seus lucros, não estão
preocupados com a população ou o meio ambiente.
Dentro desse contexto podemos classificar três espécies de politico; o sem escrúpulo, o lobista e o politico social.
3.3.1 O político sem escrúpulo
É o tipo ambicioso, corrupto deslavado, faz da política um trampolim
para o seu próprio negócio, compra votos, fomenta a política do
assistencialismo, ajuda as pessoas em suas necessidades mais urgentes,
aproveita da miséria ou desespero dos cidadãos para se promover.
Imagine uma tragédia com um de seus familiares onde você esteja
atravessando por dificuldades, podem ser financeiras ou não, esse
político vem na sua casa ou envia um representante para lhe ajudar com o
funeral entre outras situações práticas para esse momento. Por mais que
seja um político corrupto você jamais irá esquecer, pois foi pontual,
atingiu-lhe enquanto individuo, nós brasileiros por causa da nossa
cultura temos essa inclinação irracional, esse tipo de político sabe
disso, ficamos com o sentimento de retribuir, a forma de pagamento acaba
sendo o voto.
3.3.2 O político lobista
É o mais difícil de identificar, é o tipo astuto, maquinador,
inteligente muito parecido com o político social, tem uma vida pautada
pelos bons costumes, frequentam igrejas, tem família, são muito
trabalhadores, competentes na profissão que exercem (advogado, médico,
engenheiro etc...), para agravar a situação esse político até faz certa
obras sociais, no intuito de gerar subsidio moral para as promessas da
próxima campanha, ter o que mostrar na mídia, convencer a população que
algo está sendo feito geralmente foca em obras materiais.
Essa espécie emerge em função do analfabetismo político do cidadão
não conseguir pensar a sociedade a médio e longo prazo. São na verdade,
representantes da luta em prol da aprovação de leis favoráveis a
prosperidade do negócio de grupos econômicos, em detrimento de leis que
possam realmente ajudar a população. Sempre estão ligados aos serviços
de seus patrocinadores, pequenos grupos dominantes, encarregados de
estender as insatisfações dessa aristocracia às classes inferiores,
minar a ideia de insatisfação geral plantando um caos inexistente,
gerando incertezas, direcionando as opiniões, roubando a liberdade, as
escolhas dos cidadãos, convencendo que todos se darão mal. À missão
desse político é satisfazer esse pequeno grupo privilegiado em sua
plenitude. Na verdade, uma forma bem mais sutil de corrupção, na prática
proporciona um Estado a serviço de uma minoria detentora do poder
econômico, alinhado ao discurso de ser o único caminho onde todos terão
oportunidades merecidamente iguais com justiça social.
3.3.3 O político social
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É uma espécie rara, provido de espírito público, capacidade de julgar
com objetividade, sensibilidade política para conscientizar camadas
sociais, grupos étnicos em posições confortáveis na sociedade, sobre a
necessidade de vencer seus egoísmos, ajudar outros segmentos a se
desenvolver. E politico honesto existe? Existe sim! Infelizmente pagam e
continuarão pagando pelo comportamento dos colegas corruptos. No
imaginário da população brasileira já está enraizada a imagem do
político ladrão, por mais batalhador das causas sociais no final será
taxado como corrupto.
A semelhança do político social com o político lobista é muito
grande, muitas vezes ele age como um lobista para promover uma lei de
construção moral e política, baseada na igualdade de direitos,
solidariedade coletiva. O que diferencia no final, embora isso leve um
determinado tempo, é o resultado das atitudes desses políticos na vida
das pessoas, não em casos urgentes como a situação da ajuda funeral, mas
nas situações de melhor qualidade de vida, melhor acesso à saúde,
educação, saneamento básico, distribuição de renda, investimento na
proteção do meio ambiente, repartições públicas funcionando, eficiência
nos atendimentos aos cidadãos nos mais diversos segmentos, um Estado
implacável ao desrespeito com o dinheiro público.
3.4 A CORRUPÇÃO EMPRESARIAL
Ter seu próprio negócio, dedicar seu tempo ao trabalho visando o
retorno em forma de lucro em nossa sociedade capitalista não é nenhum
pecado ou ilegalidade. Muito pelo contrário é sinônimo de boa
referência, de progresso, produtividade, conforme o negócio cresce abre
oportunidades para outras pessoas serem associadas, contratadas ou
parceiras girando a roda da economia, estabelecendo relações econômicas e
sociais.
A corrupção aparece quando a índole do cidadão começa a condicionar
para o acumulo de capital através da extração máxima do esforço de seus
contratados sem compartilhar as cifras desse excesso, com justificativas
ancoradas na ideologia neoliberal, estipula salários de subsistência,
promove apenas um pequeno grupo a excelente remuneração, os quais por
estarem em posições significativas, naturalmente blindarão o dono do
capital e reproduzirão o sistema.
Esse modelo agressivo traz a corrupção em sua essência, é
praticamente infalível porque se alimenta de uma crença emocional
chamada esperança, uma algema invisível poderosíssima. Havendo apenas
uma chance real de alguém da base vir a fazer parte do pequeno grupo bem
remunerado ao decorrer do tempo, já é o suficiente para todos se
manterem esperançosos, alienados, sem observarem ou admitirem, que não
haverá lugar para todos.
Esse método é seletivo por natureza, o pensamento para quem vai
escalando a pirâmide vai mudando na medida em que desfruta da liberdade
oferecida pelo poder econômico, até o ponto de não mais enxergar o mundo
de forma horizontal e pluricultural, convence-se que chegou a tal
posição por merecimento, não percebe, não concorda ser um resultado do
próprio sistema capitalista, o qual reduz o potencial humano ao fator
técnico,
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seria como exigir dos pássaros nados sincronizado, mergulhos
perfeitos, no tocante ao desenvolvimento de vários tipos de voos
estariam fora de cogitação, a própria grade curricular do Estado é um
termômetro, pois são vários anos de preparo, nada mais servem do que
extirpar qualquer noção materialista-histórica-dialética e forjar a
natureza técnica objetiva, caso contrário está fadado à exclusão ou
insucesso.
Essa cultura de perseguir o lucro insaciável aflora também outros
incentivos como a busca pelo poder, reputação, status etc. engana-se o
cidadão que aposta todas as suas fichas que a salvação da lavoura está
nas mãos do empresariado. A falta de controle e fiscalização do Estado
revelam situações históricas iguais a do bilionário brasileiro João
Fernandes conforme a REVISTA HISTÓRIA VIVA. São Paulo: Editora
Duetto,n.47,dez.2013.ISSN 1679-8872.
Era ele quem mandava no arraial do Tejuco (hoje Diamantina), enquanto
foi o contratador de diamantes da região no século XVIII. O cargo fez
de João Fernandes de Oliveira (1727-1779) um homem não apenas poderoso,
mas também muitíssimo rico. [...]Quem estivesse nessa função respondia
diretamente à metrópole, não estando subordinado nem mesmo ao intendente
– equivalente ao governador- da capitania. João Fernandes de Oliveira
foi o responsável pela exploração de diamantes entre 1753 e 1770, como
homem de confiança do rei. "É exatamente devido a esse poder total que a
corrupção em Diamantina era muito grande", explica a historiadora e
professora do Departamento de História da PUC Minas, Virgínia Valadares.
O pagamento por seu trabalho era feito em diamantes e ele ainda ganhava
por fora, se valendo do contrabando.
A corrupção do mercador João Fernandes de Oliveira não se deu apenas
em quem lhe prestava mão de obra como também lesou o próprio Estado
português, patrocinador de seus negócios.
Com o passar dos séculos o Estado foi evoluindo na sua forma de
fiscalizar, os sistemas de produção ganharam novos conceitos, outros
pensamentos surgiram para atenuar a posse ilegal daquilo que deve ser
publico, olhando por esse prisma o neoliberalismo seria o céu para o
empresário corrupto, sem a mínima intervenção do Estado, livre
concorrência e a estabilidade econômica nas mãos do mercado sempre muito
nervoso com crises propositais, tudo legitimado, dentro da regra. Nesse
sentido a obra de Mario Barros Junior no livro - A Fantástica Corrupção
no Brasil: mordomias, sinecuras, peculato, os cidadãos acima da lei -
considera a privatização das praias um ato de corrupção para Barros Jr
(1982, p.119):
As belas praias devem ser conservadas para os privilegiados. Onde é
que rico pode descansar em sossego? Onde é que político pode gozar a
tranquilidade? Em praias isoladas, ora. O povo, bem o povo que se dane,
que trabalhe para gerar riquezas para os sorridentes proprietários das
praias privativas. Muitas foram as denuncias de fechamento de praias,
incluindo agressões aos turistas. [...] Por lei, o Estado garante o
livre acesso a todas as praias localizadas em seu território. Mas assim
não pensam os possuidores do dinheiro. Eles querem que o patrimônio do
povo seja apenas deles. Só eles podem desfrutar do sol, da areia, das
águas.
Seria como alguém intitular-se dono do sol, o Estado acatar sua
decisão, quando você quisesse ficar no sol deveria pagar uma taxa, seja
por dia ou por hora para esse alguém. No
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primeiro momento talvez você estranhe o ato de comercializar o sol,
no entanto o seu neto iria ver de forma natural, além de pagar seria até
capaz de entregar brindes ao neto desse alguém a cada banho de sol.
Há empresas envolvidas nas mais variadas formas de corrupção, tomam o
caminho do "jeitinho brasileiro", para se conservar competitiva no
mercado por meio da coligação de políticos, combinam a edição de
licitações arrumadas de acordo com critérios que só uma empresa pode
cumprir, dando cabo a toda e qualquer concorrência que pudesse
apresentar um projeto melhor, com menos custos aos cofres públicos.
4 A DISPARIDADE SOCIAL DO BRASIL E A CULTURA DA CORRUPÇÃO
Somos uma nação historicamente marcados por dominantes e dominados,
ignorar essa condição é sujeitar-se ao conformismo para não acreditar em
mudanças de melhores condições de vida da população desassistida.
Há muitos pobres no Brasil. Também muita riqueza e poucos ricos.
Esses pobres são pobres porque não gostam de trabalhar? Qual o nosso
conceito de trabalho? O que sabemos sobre a vida desses cidadãos?
Desejamos que eles tenham as nossas mesmas ambições e cultura? Queremos
transformá-los em mão de obra barata? O que é valoroso para nós, tem o
mesmo valor para essas pessoas? As oportunidades foram as mesmas? Não
podemos esquecer a capacidade do capitalismo em neutralizar esses
questionamentos já no primeiro momento em que alguém nos apresente uma
ou duas histórias com crianças sem oportunidades, mas conseguiram vencer
na vida seja por uma bolsa de estudos ou a ajuda de um empresário, ou
um time de futebol, uma ONG, ou até pelo sacrifício dos pais que
dignamente se privaram de muitos sonhos, para ajudar sua filha a vencer,
desfrutar de um bem estar social futuramente.
É esse tipo de sistema que defendemos e julgamos ser justo? Que rouba
o sonho desses pais, a liberdade desses grupos étnicos de viver a sua
maneira? Que dependem da boa vontade dos detentores do capital, ONGs
para decidir seus pobres destinos?
A proposta curricular centenária do Estado nos condiciona a não ver o
ser social de forma ontológica, em nome da cientificidade, da técnica e
objetividade crescemos compartimentando o conhecimento. Quando
denunciamos situações em que empresas provocam falências sonegando
impostos, grandes quantias de dinheiro desaparecem sem encontrar os
culpados, muito menos puni-los. Nossa tendência é ficar restrito ao fato
em si, no escândalo provocado pela mídia sendo logo esquecido por
outro, não consideramos uma atitude repugnante, não classificamos
pessoas assim como os agentes mais nocivos da sociedade, não repudiamos
com indignação intolerável o enriquecimento ilícito, a manifestação de
um delegado da índia numa conferência da ONU em 1975 esclareceu como a
cultura indiana encara esse tipo de crime, conforme Barros Jr (1982,
p.12):
O delegado da índia, nessa Conferência, esclareceu que as suas leis
são mais severas para esse tipo de crime e mesmo o assassino comum é
melhor visto que o homem
12
criminoso que enriqueceu ilicitamente, que se serviu de transações ilegais, que praticou o contrabando.
A questão não é só no controle efetivo do Estado para que o cidadão
se sinta cobrado ou protegido, tem a questão cultural, o modo de
produção, uma verdadeira teia difícil de entender, ao mesmo tempo em que
o mundo produz três vezes mais a sua capacidade de consumo, não se pode
socializar essa produção para evitar no mínimo a fome.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar uma última definição de corrupção de origem teológica
criada por Santo Agostinho no ano de 416 numa troca de cartas com São
Jerônimo, queixava-se que o ser humano vivia em uma situação de
corrupção. No sentido de ter um coração (cor) rompido (ruptus) e
pervertido.
A humanidade sempre foi marcada por atos lesivos às comunidades desde
seus primórdios. Quem detinha o poder determinava os destinos dos
demais integrantes desses grupos sociais. Com o passar dos séculos
pensadores, cientistas trouxeram novas formas de olhar o mundo.
Tudo indica que nos tempos atuais continuamos carregando conosco o
embrião da corrupção alojado em nosso coração, para alguns em pleno
desenvolvimento para outros permanece cristalizado.
Jamais teremos um Estado justo, imparcial enquanto os cidadãos não
estiverem preparados para a atividade da ética humanitária impessoal,
parece soar frio, no entanto a conscientização carece de reforços nos
elementos de uma cultura politica democrática focada no cidadão comum,
provido de interesses, sentimentos, sonhos e razão, o centro do
interesse teórico e prático de uma acessibilidade informal da democracia
brasileira.
Os avanços são evidentes nas últimas duas décadas, é vital essa
transformação de quebra cultural, no entanto só será possível com o
reforço da transparência, maior senso de publicidade da cidadania, no
sentido de promover a atividade coerente em mostrar para as pessoas que
elas não têm um preço por seguirem a lei, abandonando assim toda e
qualquer ideia com tendência a tomar atitudes preferenciais a adesão de
esquemas de corrupção.
Estamos cientes das dificuldades, o primeiro golpe na corrupção é
compreender o Estado, independente no seu tipo, sempre necessitou de
fiscalização e controle, o segundo golpe é a formação continua de
profissionais que não irão se corromper diante de propostas pífias, por
último, nós cidadãos, despertos do poder que emanamos ao juntarmos a
individualidade de cada um.
REFERÊNCIAS
13
BARROS Jr., Mario.
A fantástica corrupção no Brasil: mordomias, sinecuras, peculato, os cidadãos acima da lei. São Paulo, SP: M. Barros Junior, 1982.
BOFF: Leonardo. Corrupção: crime contra a sociedade. 14/04/2012. Disponível em: . Acesso em: 18 janeiro 2014.
DIAS. Helder. Procura-se um politico honesto. Edição 1882 de 31 de
julho a 6 de agosto de 2011. Disponível em: . Acesso em: 26 janeiro
2014.
HEATH, Joseph.
Lucro $ujo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
REVISTA HISTÓRIA VIVA. São Paulo: Editora Duetto, n.47, dez.2013. ISSN 1679-8872.
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